12 de março de 2024
A 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu acórdão anulando compra e venda de imóvel locado em que o vendedor não notificou o locatário para exercício do direito de preferência.
O locatário ajuizou ação anulatória de venda e compra de imóvel cumulada com pedido de adjudicação compulsória fundada no direito de preferência. A demanda foi julgada improcedente em primeira instância visto que o contrato de locação não estava averbado na matrícula do imóvel, descumprindo, assim, requisito legal constante no art. 33 da Lei 8.245/91 (Lei de Locações).
Art. 33. O locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro do ato no cartório de imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel.
Parágrafo único. A averbação far-se-á à vista de qualquer das vias do contrato de locação desde que subscrito também por duas testemunhas.
O TJSP, por sua vez, ao julgar o recurso de apelação interposto pelo locatário, entendeu que “a finalidade exclusiva desta exigência de averbação do contrato de locação na matricula do imóvel é dar ciência inequívoca a terceiros interessados na compra de que o imóvel está alugado e que o locatário tem direito de preferência na compra” e, aplicando-se esse entendimento ao caso em apreço, a averbação do contrato seria totalmente dispensável.
Isso porque, de acordo com os termos expressos na escritura pública de compra e venda, o comprador declarava o pleno conhecimento da relação locatícia existente e optava pela não notificação do locatário, responsabilizando-se por indenizar o vendedor em caso de ser condenado a reparar o locatário em perdas e danos. Vejamos:
“A Compradora, embora tenha ciência ampla e irrestrita de que o imóvel se encontra locado nas condições contratuais estabelecidas no instrumento particular cujo conteúdo declara conhecer, concorda que os VENDEDORES deixem de notificara locatária a respeito do direito de preferência estabelecido na lei civil, responsabilizando-se, por decorrência, a indenizar os VENDEDORES em regresso, e tanto por tanto, caso sejam os mesmos demandados, pela locatária, por perdas e danos decorrentes da supressão do direito de preferência”.
O TJSP entendeu que “o requisito formal do texto legal, deve ser interpretado de acordo com a sua finalidade exclusiva que é conferir publicidade da locação ao terceiro pretenso adquirente, para respeitar o direito de preferência do locatário” e completou “a interpretação da norma, neste caso, tem que ser harmônica e não apenas literal. É preciso buscar o sentido e o alcance da disposição legal; ou seja, a verdadeira intenção do legislador”.
Sendo assim, seguiu o mesmo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.780.197/CE de relatoria do Min. Moura Ribeiro (j. 21/08/2019), no qual foi garantido o exercício do direito de preferência ao locatário preterido quando havia conhecimento inequívoco da locação pelo comprador do imóvel, definindo que “a averbação do contrato de locação é irrelevante se os compradores do imóvel tiveram conhecimento da locação por outros meios”.
Um Ponto de Vista extra:
De acordo com a matrícula do imóvel e a escritura de compra e venda, o imóvel objeto da demanda tem descrição de imóvel rural, possui cadastro ambiental rural (CAR), possui NIRF e CCIR, logo, é um imóvel rural.
Sendo assim, cabe a seguinte indagação: por qual razão está se falando em aplicação do art. 33 da Lei de Locações se esta lei é relativa às locações de imóveis urbanos? Ainda que a atividade desenvolvida no imóvel pudesse ser considerada urbana (ou não rural), o imóvel continuaria possuindo a natureza de imóvel rural, com seu devido cadastro perante o INCRA.
Sendo assim, uma vez que não houve uma locação de imóvel urbano, a relação locatícia debatida é regida pelas regras do Código Civil (arts. 565 e seguintes), razão pela qual não há que se falar em direito de preferência ope legis. Na melhor das hipóteses, para que existisse um direito de preferência, haveria de existir uma cláusula nesse sentido prevista contratualmente e que somente poderia ser oposta a terceiros estranhos à relação contratual – em teoria – se houvesse publicidade do contrato por meio do registro (lato sensu) na matrícula do imóvel. A preferência, portanto, não decorreria dos art. 27 e seguintes da Lei de Locações, mas de um ajuste contratual publicizado.
Contudo, em que pese o caminho tortuoso seguido pelo acórdão, me parece que o resultado alcançado para o caso concreto pareceu “adequado” uma vez que restou inequívoco o conhecimento do contrato (e seu conteúdo) pelo comprador do imóvel e que atestou expressamente que existia e reconhecia o direito de preferência do locatário.
Aliás, é bom que fique muito claro que ter achado a decisão “adequada” para o caso concreto não significa que eu concorde com a criação de interpretações que visem afastar o requisito legal expresso da averbação do contrato de locação para possibilitar que o locatário, preterido em seu direito de preferência, adjudique o imóvel para si (quando se tratar de locação de imóvel urbano, regida, portanto, pela Lei 8.245/91).
Processo nº 1010667-90.2021.8.26.0099.