Autor: Eduardo Moraes
A imagem apresenta, ainda que de forma bem extrema, uma situação corriqueira do dia a dia da relação de vizinhança. E como a própria legenda da imagem sugere, de quem é o cacho da banana?
Analisemos a situação de acordo com a lei.
A regra legal está disposta nos arts. 1.282 a 1.284 do Código Civil, que tratam das “árvores limítrofes” na relação de vizinhança e dizem o seguinte:
Art. 1.282. A árvore, cujo tronco estiver na linha divisória, presume-se pertencer em comum aos donos dos prédios confinantes.
Art. 1.283. As raízes e os ramos de árvore, que ultrapassarem a estrema do prédio, poderão ser cortados, até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido.
Art. 1.284. Os frutos caídos de árvore do terreno vizinho pertencem ao dono do solo onde caíram, se este for de propriedade particular.
Como mencionado por Orlando Gomes, existem 3 questões principais relacionadas às árvores limítrofes: (i) ter a árvore seu tronco na linha divisória; (ii) caírem seus frutos no terreno vizinho; e (iii) suas raízes e ramos ultrapassarem a estrema do prédio.
Para cada situação existe uma solução jurídica específica e, para não deixar passar essa oportunidade, trataremos brevemente de cada uma delas.
Árvores que crescem na linha divisória dos imóveis.
Essa situação está prevista no art. 1.282 do CC e estabelece que uma árvore que cresce na linha divisória de dois imóveis presume a existência de um condomínio entre os proprietários em relação à ela.
“Pouco importa que as raízes e ramos se prolonguem mais para um prédio do que para outro. Indiferente, também, que o tronco ocupe maior espaço em um dos terrenos confinantes. Em qualquer hipótese, pertencerá em partes iguais aos dois vizinhos” (GOMES, 2012). dessa forma, “sendo comum a árvore, pertencem aos proprietários confrontantes os frutos como o tronco, devendo ser partilhados aqueles na época das safras, bem como a madeira se vier o tronco a ser abatido. Mas, servindo a árvore de marco divisório, não pode um dos confrontantes arrancá-la sem o consentimento do outro […]” (PEREIRA. 2022).
Contudo, a presunção da existência do condomínio é relativa. Isso quer dizer que essa presução poderá ser afastava com prova em contrário por qualquer das partes.
Isso porque, segundo defende o professor Gustavo Tepedino, “será considerada comum a árvore que se enraíza nos dois terrenos, ainda que o tronco esteja mais em um imóvel do que em outro. Por outro lado, não haverá condomínio se o tronco se enraizar apenas em um imóvel e se inclinar sobre o outro” (TEPEDINO. 2024). Assim sendo, o proprietário de um dos imóveis poderá fazer prova de que inexiste a situação de copropriedade a partir da demonstração de que a árvore possui raízes apenas em seu imóvel.
Grande parte da doutrina, no entanto, assim como a lei, menciona apenas o tronco que estiver na linha divisória dos imóveis, não sendo requisito para a copropriedade a existência de raízes nos dois imóveis. Aliás, o art. 1.283 do CC estabelece que “as raízes e os ramos de árvore, que ultrapassarem a estrema do prédio, poderão ser cortados, até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido”, o que nos leva à segunda situação relacionada às árvores limítrofes.
As raízes e os ramos de árvore, que ultrapassarem a linha divisória do imóvel.
Em relação às partes das árvores que ultrapassam os limites do terreno, o proprietário do imóvel invadido tem permissão para cortá-las até o limite vertical divisório.
A autorização para o corte não está condicionada à nocividade da invasão, podendo ser realizada sem restrições, independentemente de o prolongamento dos galhos e raízes causar ou não prejuízo. “Trata-se de um direito potestativo, pois, desprovido de conteúdo prestacional, que interfere na esfera jurídica de outrem, sem que este nada possa fazer” (STOLZE. 2024) e “como se trata de direito potestativo, não está sujeito à prescrição nem o dono da árvore pode reclamar qualquer indenização” (CARVALHO SANTOS. 1943).
Entretanto, em que pese o exercício do direito de corte seja potestativo, “a supressão de parte de uma árvore, especialmente quando ponha em risco a própria sobrevivência desta, está subordinada à prévia autorização administrativa e ao respeito às normas ambientais, não valendo o princípio da autonomia privada” (LOUREIRO. 2024). Sendo assim, Gustavo Tepedino lembra que o corte das ramas e raízes das árvores limítrofes, apesar de não depender de autorização do “dono da árvore”, deverá observar as normas ambientais e administrativas aplicáveis à espécie.
Nesse caso, se não for possível o corte dos ramos e raízes das árvores por falta de autorização ambiental, atribui-se ao dono do terreno invadido a propriedade dos frutos dos ramos que ultrapassam a estrema do prédio.
Aliás, um ponto super importante sobre o corte é que a lei autoriza a supressão parcial apenas de raízes e os ramos de árvore, ou seja, a autorização legal para a cortar os ramos, não se estende seu direito ao tronco, mesmo se, pelo desenvolvimento natural ou pela inclinação acidental, transponha a linha lindeira.
Frutos das árvores limítrofes.
Por fim, chegamos ao que interessa para a solução definitiva do nosso caso do cacho das bananas.
Em relação à árvore frutífera limítrofe que não pertença a ambos os imóveis – uma vez que está apenas em um deles -, mas que estende seus ramos além da linha lindeira, o art. 1.284 do CC dispõe que “os frutos caídos de árvore do terreno vizinho pertencem ao dono do solo onde caíram, se este for de propriedade particular”.
Assim, “enquanto pendentes [no sentido de ainda estarem pendurados nos galhos das árvores que passem da linha limítrofe do imóvel], os frutos são do dono da árvore, e somente ele pode colhê-las, seja por algum processo que lhe permita fazê-lo do seu próprio lado, seja franqueando-lhe o vizinho transpor a estrema para efetuar a colheita. Desprendendo-se [ou seja, caindo do galho que ultrapassem a linha divisória do imóvel], porém, ficam pertencendo ao proprietário do solo onde caírem, se este for de particular” (GOMES. 2012).
Importante compreender, na lição do Professor Francisco Loureiro, que o propósito da regra é evitar litígios entre vizinhos, que fatalmente ocorreriam se um ingressasse no imóvel do outro para apanhar frutos que lá se encontram. Nota-se que a regra legal disposta no art. 1.284 do CC somente vale para frutos caídos e não para os frutos pendurados, bem como exige que o terreno vizinho, onde caírem os frutos, seja particular e não público.
Conclusão sobre o cacho de bananas.
Olhando a imagem que se encontra no começo do texto, pergunto:
- O “tronco” da bananeira está: (i) sobre a linha limítrofe entre os 2 imóveis, (ii) encontra-se no terreno do vizinho; ou (iii) cresceu no terreno de onde foi tirada a foto?
Em uma brevíssima análise da foto tirada, conseguimos identificar que o “tronco” da bananeira cresceu exclusivamente sobre o terreno vizinho, correto? Senso assim, não falaremos (no primeiro momento) em compartilhamento dos frutos da bananeira. Sendo assim, tem-se que penas o “galho” da bananeira onde crescem as bananas (ou seja “o cacho de bananas”) é que se projeta para além do muro que divide os imóveis, ou, pelo menos é isso o que dá para se deduzir a partir da imagem.
Segundo questionamento a ser feito para deslinde do caso é:
- O enorme cacho de bananas está pendente ou caído no solo do imóvel de onde se tirou a foto?
Apesar de tudo indicar que o cacho toca o solo do imóvel de onde se tirou a foto, ele não está “desconectado” da bananeira. Novamente, essa é a conclusão que se chega (ou pelo menos eu cheguei) ao olhar a foto.
Logo, em teoria, os frutos ainda estão pendentes e, sendo assim, aplicando-se o disposto no art. 1.284 do Código Civil, o cacho de banana seria do vizinho.
Mas eu consigo escutar alguém dizer: “mas se os galhos se projetam além da linha divisória, é direito do proprietario (ou possuidor) do imóvel invadido de corta-los. Uma vez cortados, os frutos estarão caídos, logo, serão do proprietário (possuidor) do imóvel de onde se tirou a foto”.
SERÁ?
Eu tenho dúvidas se haverá alguma disputa judicial caso o cacho seja cortado. Pode ser que haja a depender das circunstâncias (não se sabe o valor que a banana tem ou teria para o vizinho). Mas se essa discussão chegasse ao judiciário e eu fosse o advogado do vizinho (dono da bananeira), certamente eu alegaria abuso de direito e fundamentaria no art. 187 do Código Civil, que diz “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Mas abuso de direito é tema para outro momento.
Até lá, fiquemos apenas com essas bananas ai mesmo e com a ponderação de que se os vizinhos repartirem um cacho desse tamanho, ainda vai sobrar pra distribuir pela vizinhança. Uma solução amistosa, rápida e que todos saem felizes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO SANTOS. Código Civil brasileiro interpretado, 3. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1943.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo Mário Veiga. Novo curso de direito civil – v.5 – Direitos reais. 6. ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2024.
GOMES, Orlando. Direitos Reais – 21a ed. rev. e atual. por Luiz Edson Fachin. – Rio de Janeiro: Forense, 2012.
LOUREIRO, Francisdo Eduardo. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406 de 10.01.2002; coordenação Cezar Peluso. – 18. ed. – Santana de Parnaíba [SP]: Manole, 2024.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direitos reais – vol. IV; revista e atualizada por Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho. – 28. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2022.